segunda-feira, 6 de agosto de 2012


Ele não me conhece, mister. Nem desvenda, nem desmonta, nem captura. Não por completo. Até tenta, confessou-me há dois dias, mas invariavelmente seu querer é infrutífero. A não ser que levemos em conta, é claro, a certeza que ele recolhe enquanto fracassa: Eu sou aquela folha que ele rabisca inteira com a caneta, uma linha contínua e confusa e incorrigível que perpassa os quatro ângulos retos, sambando curvas durante o trajeto, parando abrupta em dados pontos e deixando a tinta acumular num círculo pequenino para logo em seguida prosseguir e ali ficar aquela falha, aquele ovo não-fecundo a meio caminho do que poderia, quem sabe, ser uma frase e não apenas emaranhado. Aquela folha que ele rabisca inteira com a caneta simplesmente por não suportar o branco. Não entende, mas faz. Suja o papel, impulsivo, na base da loucura. Do desconhecido. Do inconsciente. Daquilo que, Freud explica, só é liberto em sonhos. Assim, eu sou o que surge quando ele fecha os olhos? E, mister, a arte de riscar o papel de cima abaixo sem sentido não é o que chamam os grandes nomes de Arte Cega? Sem vista? E, supondo-me correta, não é o inconsciente o desejo reprimido porque à nós o tal desejo é insuportável? E que a agonia que seria provocada pelo descabido e intolerável é o motivo de não conseguirmos nos lembrar de sonhos por inteiro? Seria demais para a mente, para a razão. O fardo do insano que é instinto, que empurramos, que camuflamos. Mas que há. É o que nele, dele sou? O lado animalesco? O sempre oculto, sempre procurado, e sempre destruidor quando descoberto, embora haja a certeza de nunca, jamais, ser completo descoberto.
 

P.S: E não é também Freud quem diz que o instintivo, o subconsciente, é o que mais apraz, mister?

Nenhum comentário:

Postar um comentário