segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

“Todo mundo precisa de alguns reparos.”

Acordou, bocejou e esticou as costelas. Nada funciona nessa vida, ela disse. Nada funciona. Não abriu as janelas. Não arrumou a cama. Tomou banho no banheiro escuro, só depois acendeu a luz para se enxugar. Olhou-se no espelho por longos nove minutos. Ajeitou o cabelo com os dedos, e pôs a velha maquiagem de sempre. Pó  e lápis extremamente preto, muita maquiagem pra tentar esconder  aquelas olheiras horríveis de quem passou a noite inteira chorando, chorando, chorando porque nada nunca funciona. Senhor, nunca dava certo. E queria que todo mundo visse que não dava certo, e que era culpa deles. Ela era um fruto do sistema podre. Era feia, magra, esquisita,tagarelaa, alta, chata, cabisbaixa, infeliz, atéia, catolica, bipolar, agressiva, grossa, bonita demais, vagabunda as vezes santa demais. Ela era tão você, não era? Foi para a rua, não falou com ninguém. Todos uns idiotas. Sorrisos falsos. Felicidade forçada. Idiotas. E por que diabos nenhum idiota veio falar comigo ainda? Ninguém liga pra mim, ela pensava. É porque eu sou  feia, magra, esquisita, caladona, alta, chata uma grande porcaria. É só por isso. Só por isso, só esse preconceito ridículo, só porque eu sou diferente. Sociedade hipócrita. Só porque eu assisto filmes épicos, jogo videogame, gosto de gente de verdade, falo palavrão e uso camisetas fora da moda. Só porque eu pinto meu cabelo de rosa choque ou de vermelho. É por isso que eu gosto mais de bicho do que de gente, ela pensava. Viu essa citação num livro da Clarice Lispector que não entendeu nada. Livro idiota. Mas Clarice é legal, ela dizia. Gostava mais de bicho do que de gente, é… Menos das vacas. E das piranhas. Bichos desgraçados. Ela também gostava de dizer que não amava ninguém, mas espremia a camiseta toda vez que via aquele garoto bonito, que ela até que gostava, mas não, não podia dizer ou quando seu coração palpitava com um oi daquele maldito amor, mas nao ela prefere negar e dizer que amor e idiota e ela desconhece. Todo mundo gosta de alguem então ela não gostava, porque amar alguem e idiota. E também não gostava dos cachorros pulguentos que passavam por ela na calçada quando ia embora pra casa, sem falar com ninguém. E sabe o que ela detestava mais do que gente? Funkeiro. É, porque funkeiro não é gente. O gosto musical dela era o máximo. O máximo. Pregava a paz e xingava o governo por toda essa maldita desigualdade social, porque ela era diferente e gostava de John Lennon, Gandhi e Bob Marley. Mas funkeiro, por favor, merece levar um tiro na cara. Gentinha idiota. E voltava pra casa. Batia a porta com força, sabe-se lá o motivo. Dormia, comia, ia para o computador, anotava as frases e as letras de música que gostava num caderninho , porque ela era diferente. Eu sou um lixo. A vida não presta. Nada funciona. Mas quer saber, que se dane-se. Porque ela tinha muita atitude. E desligava seu computador , chorava, chorava, chorava, chorava porque nada funcionava. Ou porque não tinha nada melhor pra fazer. Ninguém ligava pra ela. Nenhuma mensagem. Nada. Só porque ela era  feia, magra, esquisita, caladona, alta, baixa e puta… Ela era a grande porcaria, dentro de um quarto escuro, mofando feito um cavalo velho, esperando um dia mais legal pra morrer, porque aquele… Já era. Ela podia ser legal, só não gostava de admitir. Gostava de ser diferente. Acordou, bocejou e esticou as costelas. Uma grande porcaria. Ela so anda precisando de alguns reparos pra perceber que ela e linda sim e que pode continuar seus dias literalmente chatos mas que pode tranforma-los em dias literalmente mornos ou totalmente bons so vai depender de sua boa vontade e de um empurraozinho da vida que lhe traga alguem que a mostre que ela e alguem incrivel não melhor que todos mas boa da sua maneira dos eu jeito unico de ser.

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